Existem situações que a vida não nos prepara,
ela nos apresenta de uma vez, nos joga na cara. Nos rouba a esperança de que
tudo poderia ter sido diferente. A vida não é boa para todos, algumas pessoas parecem
não ter mais o direito de viver na ilusão.
Bons tempos quando nossa dose de sofrimento
ainda não tinha se esgotado, quando tudo ficava bem ao emagrecermos alguns
quilos, comprarmos uma roupa nova, fazermos uma viagem ou encontrarmos a
próxima alma gêmea. As dificuldades e tristezas entre duas felicidades eram
apenas impulsos para novos desejos e a assim a vida seguia seu curso, sem
muitos riscos, numa sequencia de sucessos e insucessos administráveis ou, pelo
menos, toleráveis.
Digo que o despertar é ao mesmo tempo um fardo e uma bênção,
está aí o porquê. Enquanto a iluminação que é a realização deste despertar não
chega, nossos olhos não nos pouparão da verdade, daquilo que escondíamos com aparências,
metas, conquistas etc. A vida nos descascará neste processo até chegarmos no mais
íntimo de nossa essência, até compreendermos que a vida é muito maior do que o
sonho rebelde de realização do personagem psicológico que insistimos em manter
no centro do palco de nossas vidas.
A Presença sempre esteve conosco, nunca nos
separamos de Deus. Mas Deus não é uma imagem, não é uma construção mental. É
anterior a qualquer linguagem, por isso não há como descrevê-Lo. Porém podemos
senti-Lo, assim que descondicionarmos nossos canais de percepção viciados em
suprir carências e nos entregarmos à Sua vontade, que é o momento presente, o verdadeiro
propósito de nossa existência.
No entanto, trazemos conosco uma carga emocional
muito grande que precisa ser limpa. Esta carga é o que nos separa da Presença e
bloqueia as coisas boas de chegarem até nós, nos tirando da paz e tranquilidade
da nossa Essência Divina. Por isso devemos agradecer por cada crise, cada
choque de realidade que a vida nos traz, pois não há outro caminho senão limpar
tudo isso.
Quando
reparamos nos pontos negativos de nossa vida na verdade estamos utilizando
aspectos desta carga emocional para justificar nossa situação atual. Utilizamos
uma história que “aconteceu com a gente” para não ver que o que vivemos é
apenas reflexo do que trazemos dentro de nós há muitas existências. Lembrando
que não são os fatos que são ruins, mas a maneira como os interpretamos e os
vivenciamos, ao fazer isso estamos na verdade nos programando, estamos dizendo
como somos e como a vida é, criando mais camadas de ilusão para serem limpas.
Ao mesmo tempo que ainda temos os mesmos mecanismos
ilusórios de buscar a felicidade, já estamos atuando com um coeficiente de luz
muito maior do que jamais tivemos. Então ao mesmo tempo que já somos capazes de
acessar mais facilmente as frequências do nosso Ser, também revelamos toda a
sombra que existe neste caminho. E quanto mais alto vamos pior nos parecem as
emoções consideradas negativas, pois mais sensíveis ficamos a elas. Quanto mais
perto da iluminação estamos, mais doloridas são nossas descobertas interiores,
pois as últimas partes trazidas à luz são as que mais escondemos de nós mesmos.
Como ainda estamos utilizando todo este pacote emocional como nosso banco de
dados para interpretar a vida (inconscientemente analisamos e julgamos o tempo
todo), tudo nos parece ruim e dói muito mais do que precisava. Então é uma
questão de tempo e disciplina para assimilarmos todo este passado e aprender a
não gerar mais bloqueios neste nível.
A
primeira coisa a fazer é prestar atenção para não nos colocarmos em uma posição
de vítima, isto nos enfraquece e nos tira o poder de mudar qualquer coisa em
nossa vida. Algumas emoções são muito sorrateiras, nos enganam muito
facilmente... qualquer culpa ou responsabilidade que atribuímos aos outros, à
vida ou aos fatos pode ser considerado um vitimismo. Mesmo um simples
questionamento do "porque aquilo foi acontecer justo comigo" já nos
coloca em uma posição desprivilegiada. Ao dizermos que algo está nos causando
tal coisa, estamos dizendo que aquilo é mais forte que a gente, o que não é
verdade.
A segunda é aprendermos a amar toda a nossa sombra,
todas estas emoções dolorosas que criamos são partes nossa e quanto mais as
rejeitamos mais sofremos. Elas também fazem parte da nossa experiência e foram
geradas por nós, não há como serem descartadas. Isso seria como amputar uma
perna porque não gostamos de sua aparência. Temos que aprender a nos amar e nos
aceitar do jeito que somos, inteirinhos! O Espírito, Deus, nossa Essência
Divina ou qualquer outro nome que seja é Uno, é abrangente, não deixa nada de
fora. A Unidade engloba tudo, é impossível vivermos em Unidade se ainda estivermos
rejeitando alguma parte nossa ou uma só emoção se quer. Esta resistência é o
que causa o sofrimento. Quando não há resistência nós sentimos o que está lá no
momento, agradecemos e deixamos fluir. A vida é fluxo, é impermanência.
Então o aprendizado é notar que a emoção dolorosa
está lá e amá-la, agradecer sua existência, focar no coração e respirar.
Enquanto respiramos, reparamos onde esta emoção está em nosso corpo, sentimos
ela se manifestando. A respiração é a própria presença de Deus no físico,
enquanto estamos centrados na respiração estamos presentes. Aos poucos a emoção
vai se dissolvendo, pois ao ser aceita já cumpriu o seu papel. A experiência
foi validada, ela passa e a vida continua.
Assim aprendemos a não temer as emoções e o que quer
que a vida queira nos trazer. A paz que buscamos não está na zona de conforto,
na vida perfeita que nosso ego sonha. A paz está em saber lidar com qualquer
coisa que a vida tenha a nos oferecer. A paz está na Presença e uma vez que nos
sintonizamos com Ela tudo pode ser visto e vivenciado com mais amor e clareza.
Ainda assim a limpeza é implacável e continua... após
a aceitação de um conjunto emoções que afloraram começamos a notar os aspectos
que as geraram, as partes feridas de nossa criança por exemplo. As emoções que
vamos liberando são chamados destas partes reprimidas e rejeitadas. O processo é o mesmo, amar e respirar. Assim vamos criando o hábito de sentir o que estiver aí para sentir sem resistência, permitindo que tudo cumpra o seu papel e
deixando fluir. Seguindo o princípio fundamental de não ceder ao vitimismo,
paramos de contar a nós mesmos a mesma historinha triste de nossas vidas, o que
já vai diminuir bastante a criação de mais carga emocional para ser limpa.
Quando utilizamos uma ideia para justificar uma emoção nós a empoderamos e
permitimos que ela crie raízes, cristalizando assim o bloqueio.
Neste caminho de auto-observação plena
descobriremos como construímos nossa personalidade, tudo o que escondemos de
nós mesmos e não queremos lidar, os mecanismos que criamos para viver na
ilusão. Aprenderemos também como lidar com estas emoções reprimidas e a abraçar
completamente nossa sombra. Nosso caminho será como escrever um manual para
nossa própria libertação, para nos alinharmos com nossa essência e vivermos a
vida que pedimos a Deus.
É importante estarmos sempre alimentando nossa fé
para não nos intimidarmos com o volume de coisas guardadas que há para sentir e
aspectos a integrar. Uma vez aprendido isso, o processo se tornará cada vez
mais fluido e mais facilmente nos colocaremos na Presença e sentiremos gratidão
verdadeira pela experiência, amando aquela parte nossa que está ali pedindo nossa
atenção e permitindo que tudo flua em perfeição Divina.
Quando estivermos presentes, quando cada um estiver
se amando e aceitando integralmente, tudo fluirá em harmonia. Nós reconheceremos
Deus em tudo, é esse o amor que buscamos. Não precisamos nos forçar a amar
o aspecto em que cada um se apresenta, mas iremos além e reconheceremos a Essência
Divina que tudo anima.
Nós somos feitos do mais puro Amor Divino. As vezes
passamos a vida tentando entender e reproduzir este amor com a mente, mas isso
não é amor. Curando as feridas e as ilusões o que sobra sim é amor. O amor não é
como a gente imagina nem nada parecido com o que a gente sente pelo outro. O
amor é a matéria prima do universo, é dele que somos feitos. Por isso agir na Presença
é agir em amor.
Ao simplesmente querer algo da vida e do outro já
fugimos do amor. A mente entende, analisa e julga de acordo com suas
crenças, parâmetros e programações, ainda que sentimos algo que chamamos
de amor, é uma falsificação do verdadeiro amor. Enquanto a iluminação não
acontece, tudo o que ocorre em nossa vida, todos os relacionamentos e situações
têm o único propósito de nos aproximar do despertar. Tudo neste nível nos
levará a frustração e ao reconhecimento das limitações do nosso personagem e desalinhamento
com nossa Essência Divina.
Enquanto estamos na ilusão não somos capazes de enxergar a essência do
outro. Todos os nossos relacionamentos então não serão com o outro, mas com a
projeção de uma imagem do outro que construímos em nossa mente, uma imagem de
uma solução perfeita baseada em nossas feridas e carências, nossos medos e
expectativas, experiências passadas e sonhos de um futuro seguro e cheio de
distrações. Por não amarmos a nós mesmos, precisamos projetar fora aquilo que
não enxergamos em nós, para só assim conseguirmos amar e integrar estes aspectos. A
dependência do outro para este processo é tanta que para mantê-lo ao nosso lado aprenderemos a aceitar seus
defeitos e limitações, inconscientes de que na verdade são os nossos próprios
defeitos e limitações que estamos enxergando nele. Neste
relacionamento sem querer obrigamos o outro a cumprir o papel de realizador de
nossos sonhos e inconsciente e inevitavelmente o relacionamento será cheio de
posse, carência e medos envolvidos, um se ampara e se abastece no outro, não
existe abertura e entrega verdadeira, aceitação incondicional, liberdade sem medo
da perda e principalmente paz.
No fundo não existe o outro, não existe mãe, não existe marido, filhos,
casa, chefe, governo, problemas etc. Tudo é Deus nos refletindo para nós mesmos,
todas nossas experiências e interpretações são o perfeito reflexo do que somos.
Aceitem essa informação e vejam o que acontece, como se sentem. Sintam como
essa informação de que tudo é Deus nos leva pra dentro, faz-nos assumir a
responsabilidade por tudo o que vemos no outro. Faz-nos tirar do outro a responsabilidade
de satisfação das exigências do nosso ego para estarmos bem sem que precisemos
olhar para nossa sombra, para não sairmos da nossa zona de conforto e corrermos
o risco de enxergarmos aquilo que não queremos ver: o vazio interior da falta
de conexão, as limitações da falta de confiança, o desespero da falta de fé, a
raiva que encobrimos com a culpa, a vergonha de admitirmos o personagem
fraudulento que criamos por pura falta de amor próprio e coragem de sermos quem
a gente verdadeiramente é.
Da mesma forma, quando aparece alguém que nos
incomoda logo colocamos a culpa nele, julgamos e dizemos que algo está errado
com o outro. Nosso ego faz isso para nos poupar de sofrer com nossas próprias
feridas. Quando alguém ou situação cutuca uma energia que está lá dentro
escondida, imediatamente queremos nos livrar disso, nosso ego não pode correr o
risco de revelar as raízes e máscaras dos personagens que incorporamos. É
sofrimento demais, o ego é nosso amigo e precisa nos proteger. E se alguém
descobrir que somos uma fraude, que aquilo que gostaríamos
de ser e a imagem que queremos passar são apenas máscaras para nossas partes rejeitadas? E se descobrirem que temos medos, raivas, culpas, que não nos achamos
lindos e bem sucedidos, que sentimos tristezas, que temos um tesão enorme e
vontade de fazer loucuras bizarras na cama, que peidamos fedido e falamos palavrão? O
que vai ser da nossa imagem? Ninguém mais vai gostar da gente... é isso que o
ego pensa e sente, é isso que nossa criança ferida e reprimida sente. Desde
pequenos somos condicionados a agradar o outro, só assim recebíamos como
recompensa a aceitação e o amor, que de incondicional só leva o nome.
Por isso o amor próprio e o reconhecimento do Ser Divino
que somos é importante, para desconstruir todas estas imagens e programações
ilusórias, nos amando e aceitando a cada parte que vai se
revelando, reconhecendo a perfeição que há em toda a Criação. Não ha nada
errado com a gente, não precisamos de cura. Precisamos apenas nos aceitar completamente,
nos integrar unificando todas as nossas partes e aspectos, só isso.